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Águeda Ferrão

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Depoimento

Águeda Ferrão (Curvelo, 1969) é artista plástica residente em Belo Horizonte. Seu trabalho foca em imagens e práticas de memória, explorando objetos de família, o entorno cotidiano e a produção artística e literária relacionada aos afetos. Sua obra transita entre esquecimento e memória, entrelaçados ao fluxo das tramas da realidade. Águeda evoca cenários onde as lembranças são moldadas pela existência e movimento do afeto – seja na intimidade de uma sala de jantar, na simplicidade de uma xícara de chá ou nos segredos revelados em uma caixa de sapatos esquecida.

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No capítulo final de O Nome da Rosa, Adso, já homem velho, retorna às ruínas do Edifício incendiado, e sobe até a Biblioteca. Como pormilagre, encontra, ainda em pé entre os despojos, um armário estragado pelo fogo, pela água e pelo tempo. Dentro dele, sobrevivem,ainda, alguns fólios. Passa o dia a recolher os restos dos livros destruídos: tiras de pergaminho decorado que deixavam vislumbrar asombra de uma imagem, os fantasmas de uma ou mais palavras, um título inteiro, um incipit...Todos os livros são como esses; larvas de livros, espectros que perdemos, se não pelo fogo e água, pelo tempo que não cessa de nostransformar. Livros anotados, sublinhados, desenhados. Entre suas páginas uma flor murcha, um papel com nome e um telefone, umpostal amarelado podem nos transportar até aquele instante inesquecível e já irremediavelmente esquecido. As palavras, as coisas, osdesenhos, dentro de livros, das caixas, das gavetas são apenas marcas desesperadas que fazemos para fixar o solo debaixo de nossocorpo sem raízes.

 

Maria Angélica Melendi, primavera de 2006

Portifólio

Águeda Ferrão Compartilhando Silêncios #3

 

Absorvida em suas reminiscências e experimentando a angústia pela irrefreável passagem do tempo, Águeda Ferrão dá a ver, em Compartilhando Silêncios, o que alimenta a sua poética: uma latente nostalgia que se revela na forma com que sua produção se materializa, nas suas escolhas éticas e estéticas. Águeda Ferrão afilia-se aos que têm na memória subjetiva a matéria a partir da qual criam. A esta característica soma-se uma intenção colaborativa, pela qual a artista busca avizinhar a sua memória a de outros. As poéticas de Joseph Cornell, Sophie Calle e Elida Tessler são citadas como as referências mais presentes.

Tendo sido colecionadora desde a infância       acumulou fotografias, frascos, cartas, tecidos, recortes, imagens, palavras e borboletas

         a artista, a partir deste lastro na experiência, confere aos objetos cotidianos impregnados de afeto, o significado de portadores, índices, de uma história passada. As caixas e vitrines de Cornell exercem poderoso fascínio sobre a artista que as define como reservatórios de lembranças, pequenos relicários que aparentam guardar o tempo. Já obras como O ritual de Aniversario, de Sophie Calle, e Doador de Elida Tessler, combinam o uso de objetos cotidianos, imbuídos ou não, de memória sentimental, com a colaboração de outros sujeitos a fim de que se realizem. Calle, por 13 anos, colecionou e dispôs em vitrines os presentes recebidos dos amigos convidados ao seu aniversário. Tessler convocou as pessoas a doarem objetos cujo nome terminassem com a silaba dor, elaborando a perda recente de um ente próximo.

A instalação que ora se apresenta é a terceira montagem de Compartilhando Silêncios. A obra se realiza em conformações espaço temporais variadas. Anterior ao período da exposição, e na cidade onde será montada, ocorre a coleta de móveis e objetos, quando a artista visita pessoas para conhecer histórias alheias, e se reconhecer nos relatos referentes àqueles objetos de afeto. É lavrado um documento, o Formal de Partilha, no qual compromete-se à guarda.

Outra dinâmica ocorre durante o período expositivo. No ambiente criado com os móveis e objetos partilhados, e de temporalidades distintas, são dispostos os objetos produzidos pela artista. Se no primeiro momento o que a move é impregnar-se do relato dos outros, aqui, lança uma série de apelos afetivos ao espectador, por meio de dispositivos tais como, convidá-lo a manipular os livros objetos, a deixar sua marca nos Livros do Tempo, e em Silêncio Aumentado a levar um fragmento da obra contido numa das caixas.

A possibilidade deste ambiente povoado por objetos ligados a memórias privadas, particulares, gerar em quem com ele tome contato a remissão as suas próprias lembranças, é a aposta da artista, que por essa via propaga o sentimento nostálgico. Cabe observar que, a nostalgia, não sendo mero comentário sobre o passado, pode revelar um sentimento de inadequação ao presente que atue como um anseio utópico. 1 O sentimento nostálgico, ao mobilizar o passado de forma crítica abre para a arte contemporânea a possibilidade de resistência cultural no presente.

Assim, Compartilhando Silêncios, repercute um anseio utópico por um tempo mais lento, em que as coisas perdurem e também os afetos, em que o ritmo da produção não determine de modo tão escorchante o cotidiano, em que as subjetividades não sofram constantemente os apelos ao consumo de novos objetos e imagens, em que haja, sobretudo, mais acolhimento, sociabilidade e beleza.

 

Silva Paes Barreto, Recife. Primavera 2009.

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